NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

Homenagem a Nestor Lopes

Diz o historiador madalenense Geraldo José Machado que as primeiras notícias sobre as terras que hoje constituem o município de Santa Maria Madalena datam de 1835, com a chegada do português Manoel Teixeira Portugal, que foi o primeiro habitante do local, segundo Joaquim Laranjeira.  A partir daí, começou a surgir o Arraial do Santíssimo, com a chegada de outros desbravadores.

Essa pequena comunidade, pertencente à Freguesia de São Francisco de Paula, do termo de Cantagalo, passou a denominar-se Curato de Santa Maria Madalena, em 1851.  A invocação da santa deveu-se ao padre Francisco Xavier Frouthé que, como seu fervoroso devoto, lhe fez doação das terras que adquiriu de José Vicente, capitão do mato, em troca de uma espingarda.

A doação, conforme escritura lavrada em cartório de São Francisco de Paula, era condicionada à construção de uma capela em homenagem à santa, no altiplano em que hoje se encontra a igreja-matriz.

No ano de 1855, o Curato foi elevado à Freguesia e Paróquia.  Seis anos depois, em 1861, transformou-se em vila e município de Santa Maria Madalena.

O novo município incorporou as freguesias de São Francisco de Paula e São Sebastião do Alto.  Quando da proclamação da República, em 1889, o município de Santa Maria Madalena ocupava o sétimo lugar em área, nessa ordem: Itaperuna, Macaé, Campos, São João da Barra, Resende, Santo Antônio de Pádua e Santa Maria Madalena.  Por isso mesmo, contava com 14 médicos, 6 advogados e   9 engenheiros e agrimensores.

 

Finalmente, em 1890, Santa Maria Madalena foi elevada à categoria de cidade.

 

O pioneiro de nossa terra e nossa gente, Manoel Teixeira Portugal, deixou numerosa prole.  Sua árvore genealógica requer a pesquisa de alguém de sua linhagem.  Segundo registros históricos, teria deixado 17 descendentes vivos, antes de regressar a Portugal, onde teria falecido em 1886.

 

Há indagações ainda sem respostas.  Para exemplificar:  José Teixeira Portugal, proprietário da fazenda Desengano, em 1887, seria seu filho?   Seria  o  patriarca avô dos irmãos professores Aristeu e Francisco Portugal Neves?  Quem é o Coronel  Portugal que hoje dá nome à antiga Rua do Neiva, posteriormente dos Amores?

Santa Maria Madalena, Junho de 2001

 

ITAGILDO FERREIRA

NOSSA TERRA E NOSSA  GENTE

 

II

 

À memória de José Pontes Guinâncio

 

Os representantes do município de Cantagalo, na Assembléia Legislativa Provincial, não podiam deixar de combater, com veemência, o projeto de emancipação político – administrativa da freguesia de Santa Maria Madalena.   A iniciativa significava enorme sangria no patrimônio do município, com o desmembramento de três freguesias, de acordo com que dispunha o projeto: “Art. 1º:  Fica elevada à categoria de vila, com a mesma denominação, a freguesia de Santa Maria Madalena, do termo de Cantagalo; e farão também parte do novo município as freguesias de São Sebastião do Alto e São Francisco de Paula, desmembradas do mesmo termo.”  Daí o empenho em sufocar o movimento emancipador, como chegaram a conseguir na primeira investida, frustrada com o arquivamento do processo.

 

Por outro lado, apesar dos ingentes esforços das lideranças madalenenses, capitaneadas pelo Coronel Braz Carneiro Viana, nada se teria, certamente, conseguido, não fora um acontecimento providencial: o casamento da filha do Barão do Castelo, Maria Luiza Malta Ribeiro, com o Dr. Lopo de Albuquerque Diniz, filho de Angra dos Reis, com clínica médica no Rio de Janeiro. Acaso?  Afortunado fato social, sem dúvida.  O Dr. Lopo Diniz, que passou a freqüentar nossa terra, onde se fez proprietário rural, era tio de um deputado por Itaguaí, chamado Lopo Diniz Cordeiro que, obviamente, por instâncias do tio, acabou se tornando o paladino da emancipação.  E foi assim que o projeto, que antes fora arquivado, ressurgiu das cinzas para ser aprovado.

 

O ato emancipatório data de 1861, mas o município só veio a instalar-se em 8 de junho de 1862, depois que o Barão de Macabu adquiriu com os próprios recursos a casa para as sessões da Câmara Municipal.

 

O historiador Geraldo Machado arrola as seguintes figuras do movimento emancipador:  Braz Carneiro Viana, Manoel Luís Ribeiro (Barão do Castelo), José Joaquim da Silva Freire (Barão de Santa Maria Madalena), Antônio Machado Botelho Sobrinho (Barão de Macabu), João de Souza Botelho, José Gonçalves de Moraes, Francisco Ignácio da Silva, Manoel José Teixeira Portugal, José Teixeira Portugal Freixo e João Fernandes Carneiro Viana.

 

Conta Joaquim Laranjeira que os primeiros representantes do povo na Câmara recém-instalada, naturalmente com o propósito de criar fonte de renda para o erário municipal, tentaram apoderar-se das terras que o padre Frouthé doara a Santa Maria Madalena, argüindo a nulidade da doação.  Debalde o propósito, em face de categórica decisão proferida pelo Ministro do Império, Marquês de Abrantes, em consulta feita pelo presidente da província que, cautelosamente, se absteve de decidir.  O Ministro entendeu que as terras pertenceriam ao patrimônio da Fazenda  imperial, deixando, entretanto, à competência do governo municipal as providências para a urbanização da área.

 

Santa Maria Madalena, Junho de 2001

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

 

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

III

 

À memória da professora Hermínia M. Coutinho

 

 

Na década de 1920, circulou em nossa terra a revista “SERRANA”.  Hoje, apesar do tempo decorrido, não seria fácil reeditá-la, ou editar nova revista com seu formato.  Graças a Enir Pontes Guinâncio Helayel, folheamos raro exemplar dessa magnífica publicação, da qual extraímos a seguinte notícia:”O que a criação do Ginásio Madalenense custou de esforços ao professor Enéas Costa e à sua digna consorte, Marieta Costa, diplomada pela Escola Normal do Rio, não há um habitante desta abençoada terra que o ignore.”

 

Que motivação teria levado esse inesquecível casal de professores a deixar  o Rio de Janeiro e vir morar em Santa Maria Madalena, para fundar um estabelecimento de ensino, que direcionou o futuro de tantos jovens?  Não seria a mesma motivação que nos trouxe outros professores, como o alemão Guilherme Felipe Gwyer, Mariano de Oliveira, Hermínia Mendes Coutinho, Manoel Nomysio de Aquino, Hamilton Sholl, aos quais muito ficou devendo nossa gente?

 

Tudo leva a crer que foi a busca do clima serrano, para recuperar a saúde, considerando que nossa terra sempre teve fama de ser excelente sanatório.

 

Mas voltemos ao Ginásio Madalenense, em boa hora considerado de utilidade pública pelo então prefeito Capitão Augusto Pinto Feijó Primo, conforme iniciativa do vereador Capitão Manoel Joaquim da Rocha.  Do seu corpo docente, recordamos os seguintes nomes:  Manoel Nomysio de Aquino, Hamilton Sholl, José Portugal da Silva Santos, além de seus beneméritos diretores.

 

Noticiou, ainda, a mencionada revista:  “Por estes poucos dias seguirá para Macaé, a fim de prestar exames perante bancas examinadoras oficiais, uma turma de alunos do Ginásio Madalenense.”  Estávamos no ano de 1929 e integravam essa turma os seguintes alunos:  Eurydice Verbicário, Elza Santos, Yolanda Mansur, José Pontes Guinâncio, Itagildo Ferreira, Astéria da Costa Cabral, Almir Tavares, Ruy Barbosa Lessa, Sebastião Tavares, Washington Santos, Manoel Moreira Feijó, Circe Santos e Raul Teixeira de Magalhães.

 

No ano de 1930 não houve exames. Passamos todos por decreto do governo provisório chefiado por Getúlio Vargas.

 

Recordar é viver e, por isso mesmo, é também sofrer.  À querida professora Hermínia Mendes Coutinho que, centenária, faleceu em sua terra, Juiz de Fora, nosso tardio agradecimento, meu e, estou certo, dos que ainda se acham por aqui e de todos que já se foram desta vida que, segundo Machado de Assis, é um ofício cansativo, mormente no velho.

 

Santa Maria Madalena, julho de 2001

ITAGILDO FERREIRA

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

IV

 

À  memória  do  Dr  Manoel  Verbicário

 

 

Afirma Zezé Pontes – madalenense honorário – em crônica divulgada na cidade , que o alferes Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes – esteve  na região centro-norte-fluminense, acompanhando a tropa do sargento-mor Pedro Afonso, que estava encarregado de prender o famoso Mão de Luva.  Diz o referido cronista bissexto que Tiradentes era prático em mineralogia e, em razão disso, veio com a missão de avaliar as supostas jazidas auríferas dos cursos d’água que cortam as terras que constituiriam, mais tarde, os municípios de Cantagalo e de Santa Maria Madalena.

Como fonte de sua assertiva, cita Sebastião Sampaio, autor  do “Tesouro de Cantagalo”.

O certo é que, no final do século XVIIII, com o esgotamento das minas que vinham sendo exploradas no território das gerais, os mineiros transpuseram o rio Paraíba do Sul na altura de Além Paraíba, atraídos pela notícia da suposta existência de ouro no norte-fluminense.

Numa dessas levas de aventureiros, veio o português Manoel Henriques – o Mão de Luva – com seus homens, já então perseguidos pela monarquia portuguesa.

Depois de buscas infrutíferas, a tropa do sargento Pedro Afonso já regressava ao território das minas gerais, quando se viu surpreendida por um canto de galo, que denunciava a existência de um acampamento, em que se encontrou o fugitivo;  que foi preso e conduzido ao Rio de Janeiro, e depois degredado para a África, aonde não teria chegado, por ter falecido na viagem.

 

Em verdade, parece-nos lendária a passagem de Tiradentes pela nossa terra, muito antes da chegada do pioneiro Manoel Teixeira Portugal.

 

Aceitemos, porém, o registro do velho cronista como sendo uma das estórias que ilustram a história de nossa terra.  A façanha do Coronel Braz, desentocando o padre José Espiridião de Santa Rita na Assembléia Legislativa e a permuta da espingarda do padre Frouthé pelas terras do mateiro José Vicente não seriam, também, estórias que figuram como lantejoulas no manto de nossa história?

 

É o passado enfeitando-se com a fantasia, dada a ausência de fontes documentais fidedignas.

 

Felizmente, o que acaba salvando esta crônica é a pálida homenagem que se presta ao Dr. Maneco que, em nossa terra, fez da profissão de médico um apostolado, conquistando o respeito e a estima de nossa gente.

 

Santa Maria Madalena, julho de 2001

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

V

 

Ao  colega  Rubens  Torres

 

NOSSA TERRA  consagrou-se a Santa Maria Madalena, como sua padroeira, graças ao padre Francisco Xavier Frouthé.  Antes, portanto, de 1850, quando ele assinou a escrituração de doação das terras em que pretendia elevar uma capela à santa de sua devoção. É o que se deduz do trecho extraído do capítulo “O patrimônio da santa”, da “Pequena História”, de Joaquim Laranjeiras:

 

“Por escritura pública, lavrada em notas do Escrivão da Paz Antonio Leoclat,  da freguesia de São Francisco de Paula, terceiro distrito da Vila de São Pedro de Cantagalo, no dia 20 de abril de 1850, o padre Francisco Xavier Frouthé doava uma porção de terras, de sua legítima propriedade, existente nas cabeceiras do córrego de São Domingos, vertentes do Santíssimo, no lugar denominado Santa Maria Madalena  (o grifo é nosso),  para se edificar uma capela sob a invocação da mesma santa.”

 

A escritura foi lavrada em cartório de São Francisco de Paula, freguesia de Cantagalo, à qual pertenciam as terras doadas, uma vez que somente em 1855 se criaria a freguesia de Santa Maria Madalena, outro distrito de Cantagalo.

Antes de erguida a capela, naturalmente com recursos dos habitantes do povoado, o padre celebrou missa campal em frente ao antiplano destinado à capela – hoje a praça que leva seu nome – missa essa que foi comparada à do Descobrimento do Brasil, pelo ilustre jornalista.

A igreja, em estilo gótico, que substituiu a primitiva capela, foi construída com os recursos dos fazendeiros madalenenses, com o acompanhamento e zelo do Barão de Santa Maria Madalena, José Joaquim da Silva Freire.

A primeira missa, no novo templo, foi celebrada pelo padre Olympio Alves de Castro, em 1892, quando Santa Maria Madalena já era cidade desde 1890 e grande e próspero município desde 1862, com a incorporação das freguesias de São Francisco de Paula e São Sebastião do Alto.

 

Há algumas dúvidas que ainda não estão esclarecidas.  Quando o padre Frouthé chegou à região, via Cantagalo, já existia o Arraial do Santíssimo?  Onde ficava o arraial, considerando que eram virgens as terras adquiridas pelo padre, que morava, segundo nosso historiador,  “numa casa de campo perdida entre árvores de sombra espessa, acachapada, no seu estilo campestre, rude, quase primitivo” ?  Se o padre chegou antes que o capitão-do-mato, como este adquiriu as terras, que ele passou à propriedade do padre em troca da espingarda?

A rigor, é inútil querer esclarecer dúvidas que se perdem na caligem do tempo e que em nada modificam a história de nossa terra e nossa gente.  Comentá-la e divulgá-la, sim, recorrendo às fontes de nossos historiadores, é o que deve ser feito, mormente pelos professores de nossas escolas municipais, para que as novas gerações não ignorem nosso passado, como aconteceu até o momento atual.

 

Santa Maria Madalena, julho de 2001

ITAGILDO FERREIRA

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

VI

 

À  memória  de  Manoel  Moreira  Feijó

 

 

Nossa terra teve a honra de receber a visita de quatro governantes fluminenses:  Gavião Peixoto, presidente da Província, quase no final da Monarquia; Nilo Peçanha, presidente do Estado, já no regime republicano;  Amaral Peixoto, interventor federal, durante o Estado Novo, ditadura de Vargas de 1937 a 1945 e, recentemente, o governador Anthony Garotinho.

 

O governante Bernardo Avelino Gavião Peixoto, segundo registra Geraldo Machado, teria comparecido à inauguração do gasômetro, na fazenda Santa Ilídia, em 1883, a convite do proprietário José Joaquim da Silva Freire, mais tarde Barão de Santa Maria Madalena.  Entretanto, Joaquim Laranjeira comenta que a visita foi feita à povoação de Triunfo, no final de 1882, até aonde chegava a linha férrea, que só alcançou o povoado de São João Evangelista da Ventania (Trajano de Moraes, hoje) em 1891.

 

O presidente do Estado, o campista Nilo Peçanha, esteve em nossa terra em 1906, tendo sido saudado pelo Dr. Matos Pitombo que, em nome do povo, lamentou a extinção da Comarca de Santa Maria Madalena, em 1904, por ato do próprio visitante.  Este, todavia, penhorado pela manifestação, houve por bem restabelecer nossa Comarca, logo que regressou à capital do Estado.

 

Quando já se exauria o regime ditatorial de Vargas, esteve em nossa terra o interventor Ernani do Amaral Peixoto, acompanhado de grande comitiva, na qual se incluía sua esposa Alzira Vargas do Amaral Peixoto. Em churrasco, que foi oferecido ao visitante, discursou o jovem advogado Rivaldo Santos que, interpretando o descontentamento popular, levou o governante a exonerar o prefeito Astolfo Erves de Castro, que administrou o município durante o Estado Novo.

 

Recentemente, Santa Maria Madalena recebeu a visita do governador Garotinho, que foi acolhido, festivamente, pela equipe do prefeito Arthur Lima Garcia. Dessa visita, inaugurando o novo asfaltamento da estrada Madalena – Macuco, resultou, o que é mais importante,  a melhoria do traçado e a pavimentação da estrada Madalena – Cambotas – Triunfo, velha aspiração dos madalenenses, que vêem no turismo a única saída para o progresso de nossa terra e nossa gente.

 

Esta crônica recorda o colega Manoel Moreira Feijó, integrante da turma que, em 1929, viajou a Macaé, para prestar exames ginasiais.

 

Santa Maria Madalena,  julho de 2001

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

VII

 

À  memória  do colega  Ruy  Barbosa  Lessa

 

 

Quem vê, hoje, a assistência hospitalar em nossa terra, com seu pequeno nosocômio razoavelmente equipado e diligente corpo profissional médico e paramédico, não avalia as dificuldades assistenciais anteriores. A aquisição de uma ambulância, em 1965, para transportar os doentes, que precisavam ser removidos para Bom Jardim, Friburgo ou Niterói, foi certamente uma importante conquista, que se deve ao empenho do então prefeito Roberto Felix, do chefe do Posto de Saúde, Dr. Manoel Verbicário e do presidente da Sociedade dos Amigos de Santa Maria Madalena, Jamil Assad, membro da colônia síria madalenense e comerciante em Niterói.

 

Essa ambulância foi doada pelo Ministério da Saúde, onde à época trabalhava um madalenense que, pela sua diligência, recebeu os agradecimentos de todos, tendo a Câmara Municipal votado moção, que traduzia o pensamento dos munícipes, agradecidos pela conquista.

 

Um pouco mais tarde, em junho de 1967, foi a vez do então prefeito do município de São Sebastião do Alto, Firmo Daflon Filho, de agradecer a interferência do mesmo madalenense na doação de uma ambulância para aquela antiga freguesia  de Santa Maria Madalena.

 

Essas mensagens estão guardadas como recordações do tempo da ditadura militar, durante a qual se pôde fazer alguma coisa pela nossa terra, pois a obrigação do servidor público é servir ao público, a despeito dos regimes políticos.  E esse foi o procedimento do madalenense, de 1931 a 1990, quando se inativou.

 

É’  sempre prazeroso que revelemos as boas ações, porque as más – e quantas as houve! – envergonhamo-nos de confessá-las.  A revelação, no caso, alivia a consciência injuriada pela ausência da confissão.  Mas a vida é um lesco-lesco, um bate-e-rebate, uma gangorra de altos e baixos, que a gente só acaba entendendo, quando já é tarde demais para recompor os desacertos e desencontros.

 

Resta concluir esta crônica, esclarecendo que esse madalenense é filho adotivo da nossa terra, pois nasceu, no dia 23/08/1915, na cidade de Campos dos Goytacazes, passando a residir, depois, aos verdes-anos,  na Bela Adormecida do Bosque, como o Dr. Rivaldo Santos chamou nossa cidade, quando, em 1945, em breve discurso, mudou a administração em nossa terra.

 

Santa Maria Madalena, julho de 2001

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

VIII

 

À  memória  de  José  Carreiro

 

Diz o Conselheiro Aires, no seu Memorial, que “o lugar onde alguém passou os primeiros anos há de dizer à memória e ao coração uma linguagem particular”.

 

Por volta de 1918, com a idade de três anos, cheguei a Santa Maria Madalena. Meu pai adoecera em Campos e, injuriado pela doença, procurou o sanatório da serra, já então famoso pelo seu excelente clima.

 

Tenho uma tênue recordação do hotel em que nos hospedamos, na rua principal, de propriedade de Dona Darcília, esposa de senhor Antonico Firmino, que não conheci, e irmã do senhor Anésio Feijó, nosso velho conhecido.

Passamos a residir numa casa situada no começo da rua Direita, e que à época pertencia ao senhor Juca Barros, hoje de propriedade de Enir Pontes Guinâncio Helayel.  Foi nesse ponto que meu pai estabeleceu seu pequeno comércio, depois que encerrou sociedade com o senhor Dorival Silva, esposo de Dona Silvina, irmã do coronel Gwyer de Azevedo, e mãe do velho amigo Wilson Azevedo.

 

No meu tempo de infância, a atual rua Barão de Santa Maria Madalena chamava-se rua Direita e seu começo fazia esquina com a rua Maurity, hoje rua Adolfo Rodrigues, onde se instalou o Colégio de D. Hermínia, depois do falecimento do seu marido, senhor Edson Coutinho, agente da estação da Leopoldina.

 

Mudamos, depois, para local ao lado da chácara do senhor Antônio Verbicário, onde vivi até 1930.  Aí passei meus verdes-anos, convivendo numa comunidade de italianos, muitos colonos e alguns já fazendeiros, como os senhores Antônio Verbicário e Teodoro Rímolo.

 

A base de minha formação vem desse período de vida selvagem, de precárias condições sanitárias, mas de inteira liberdade para o menino que amanhecia para a vida.

 

Quando estou em nossa terra, costumo, muita vez, repassar, com saudade, esse roteiro de minha infância, que me diz à memória e ao coração uma linguagem particular, como disse o velho Conselheiro Aires.

 

Lembrei-me de dedicar esta crônica ao amigo José Carreiro, que já havia sido candeeiro, como guia de carro de bois.  Era filho do velho Boaventura e sobrinho da tia Ana, colonos pretos moradores na Lagoa, ambos, como os colonos italianos, fregueses do pequeno comércio do meu pai.

 

Santa Maria Madalena, julho de 2001

 

ITAGILDO FERREIRA

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

IX

 

À  memória de Teodoro Rímolo Heizer

 

Os anos trintas foram decisivos na minha vida. Neles, forjou-se o adolescente, que saíra de Santa Maria Madalena como potro xucro, para civilizar-se na cidade-grande.

 

Na capital do Espírito Santo conclui o curso-médio, que iniciara em nossa terra, após os exames de admissão ao ginásio, em 1929, em Macaé, fiz o curso superior, participei de centros estudantis e, no Rio de Janeiro, em congresso, da fundação da União Nacional de Estudantes. Fui ativista político na era de esquerda e direita; penetrei no mundo literário, guiado por Eça e Machado de Assis.

 

Em razão dos anos trintas, sou um homem do século XX com a mentalidade do século XIX.

 

Vivi mais na década de 30 do que em todos os outros anos de minha vida. Guardo na memória os bons e maus momentos por que passei, mas às vezes me surpreendem certos fatos, como a “Resenha Brasil nos anos 30″, de autoria de Kazumi Munacata, contida na Internet, quando diz que “de Vitória, Espírito Santo, ecoa uma Voz do Estudante, órgão do Centro Estudantil Capixaba, num artigo assinado por Itagildo Ferreira:

 

“O Brasil sofre todas as crises de uma sociedade nova, formada por um povo estranho, em território diverso de sua origem, que até hoje não fundou as bases de sua adaptação à terra e não organizou a sua vida: eis as causas do seu atual estado, agravado por um acúmulo de crises, nossas e alheias. Não o podia fazer antes de surgir a consciência do problema nacional e da sua orientação. (A nossa raça. Voz do Estudante, ano I, Nº 1, maio de 1934).”

 

E afirmou, o autor da Resenha, que esse diagnóstico da realidade brasileira tinha tradição, dado o lema da Associação Brasileira de Educação: Ao cabo de um século de independência, temos apenas habitantes no Brasil, que precisam transformar-se em povo.

 

Dourados anos 30, em que um jovem de 18 anos escrevia artigos que um velho de 86 não entende!

 

Devo essa surpresa ao meu neto André Pinto Ferreira, que é pós-graduado em computação.

 

Registro, finalmente, que dedico esta crônica à criatura mais bondosa que conheci na vida, meu amigo desde a infância no sítio do seu avô, em nossa terra, e que acabou sendo meu cunhado.

 

Santa Maria Madalena, julho de 2001

ITAGILDO FERREIRA

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

X

 

À  memória  de  Manoel  Gonçalves  Neiva

 

Joaquim Laranjeira, em seus apontamentos históricos da “Canastra de Mascate”, chama a atenção dos leitores para um benemérito esquecido, “que não tem seu nome em logradouro público nem sequer jamais recebeu homenagem mínima dos poderes municipais”, de Santa Maria Madalena.

 

Diz o saudoso jornalista que a ele se deve, “além de benefícios menores, a construção de uma rua inteira, aquela que a Câmara batizou Coronel Portugal”, crismada pelo povo de rua do Neiva, também conhecida como rua dos Amores.

 

Trata-se do português Manoel Gonçalves Neiva que, em dezembro de 1892, se dirigiu à Comissão de Obras da Igreja de Santa Maria Madalena, propondo-se a concorrer com os honorários dos oficiais, durante o mês de janeiro de 1893, dando tempo a que a Irmandade, incansável em seus esforços, fizesse a arrecadação de donativos destinados à continuação das obras do templo, as quais seriam paralisadas sem esse auxílio.

 

Esse benemérito era um comerciante progressista. Diz nosso historiador que, em casa da rua a que a tradição ligou seu nome, construiu um banheiro público e, sobre o córrego que se estende pela nossa rua principal, construiu uma sentina pública.

 

E, finalmente, para alertar a atual e operosa administração municipal – Executivo e Legislativo – vale citar o seguinte trecho do jornalista-historiador:

 

“Em 25 de julho de 1901, morria em Madalena o decano dos seus comerciantes àquela época – Manoel Gonçalves Neiva – um dos primeiros moradores da localidade. Deixou de sua passagem traços inapagáveis e que, por isso mesmo, devem ser recordados.

“Para que a estrada de ferro se estendesse até Madalena, confiou à empresa que se encarregara do trabalho a sua fortuna.”

 

Há uma rua, que faz esquina com a rua Coronel Portugal e que passa por trás da Igreja, que se chama Prudente de Morais. Por que não denominá-la rua Manoel Gonçalves Neiva?  É uma sugestão.

 

“Benemérito do município, sem alarde, olvidado injustamente pelos poderes públicos, Manoel Gonçalves Neiva merece ser , pelo mínimo, nunca jamais esquecido dos madalenenses”, diz enfaticamente Joaquim Laranjeira.

 

Santa Maria Madalena, agosto de 2001

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XI

 

A  Mário  Guimarães

 

 

O município de Santa Maria Madalena nasceu e prosperou durante o ciclo do café no Centro-Norte fluminense. Os proprietários rurais, enriquecidos com a produção da monocultura cafeeira, faziam jus a comendas e baronatos que a Corte regiamente distribuía em toda a Província.  Os grandes melhoramentos foram resultados dessa prosperidade.  São exemplos edificantes a construção da Igreja e a ligação da via férrea até a cidade, em que se empenharam os barões e os ricos comerciantes.

 

Essa prosperidade deve ter durado um pouco mais de meio século.

 

Com a eclosão da crise do café, nosso município, como os demais cuja estrutura econômica se apoiava na lavoura cafeeira, entrou em decadência, verificando-se a dispersão da população rural.

 

Essa decadência já foi muito bem focalizada em artigo do professor Marcelo Lima publicado em periódico local e na obra de Geraldo Machado, ambos fundados em dados estatísticos do I.B.G.E.

 

Urge, portanto, pensar no resgate dessa prosperidade, afastando nossa terra e nossa gente da caminhada para o nada, como infelizmente vem ocorrendo, também, com os municípios vizinhos, suas antigas freguesias.

 

Observa Geraldo Machado, em sua obra que tem sido valiosa fonte destas crônicas, que “embora crítica, a situação econômica, social e cultural de Santa Maria Madalena pode ser revertida”.  Com o turismo.

 

A abertura e o asfaltamento da estrada que desce a serra, rumando à baixada litorânea – antiga trilha de tropeiros, que conduziam o café ao porto de Macaé – é um velho sonho que se tornou realidade.  Ansiosos pelo progresso, poderíamos dizer que é ela nossa estrada de Damasco.  A estrada da conversão do pessimismo em otimismo.  O caminho da redenção.  Do renascer da esperança, pois muita gente seguirá o exemplo de Mário Guimarães, que veio viver em Santa Maria Madalena, onde constituiu família e vem prestando inestimável colaboração à operosa administração do prefeito Arthur Garcia, eleito e reeleito pela vontade soberana do povo.

 

Santa Maria Madalena, agosto de 2001.

 

ITAGILDO  FERREIRA

 

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XII

 

A  Geraldo Machado

 

 

Geraldo José Machado, ilustre membro da Magistratura fluminense, nasceu no município de Duas Barras, terra do poeta Jacy Pacheco e, por quê não, do cantor Martinho da Vila.  Fez, entretanto, de Santa Maria Madalena sua terra de eleição.  Daí o considerarmos historiador madalenense, pertencendo, portanto, à nossa gente.

 

Quando ainda era jovem estudante, com o espírito fecundado pelo professor  Carielo, foi diligente auxiliar do prefeito Cláudio Sampaio, pernambucano que se radicou em nossa terra como fazendeiro, administrando-a durante largo período.

 

Vivíamos no regime militar e Geraldo, intuitivamente, entendeu “os jogos do poder”, como, então, funcionava a máquina administrativa.

 

Desejando redefinir o perímetro urbano da cidade, que se expandia pelos bairros, o prefeito vinha encontrando resistências à realização do projeto.  Geraldo, como seu assessor, com um “golpe de mestre”, deu-lhe a solução para contornar os obstáculos.  Alertado para a minha estratégica posição à época, no Ministério da Justiça, enviou-me o prefeito mensagem solicitando apoio.  Diante do apelo, que me pareceu justo, restou-me acionar a máquina administrativa para, em pouco tempo, ruírem-se todas as dificuldades.

 

Graças a Geraldo Machado, deu-se nova configuração ao perímetro urbano da cidade.

 

E graças, também, a esse e outros serviços anteriormente prestados à nossa terra, a Câmara Municipal houve por bem conferir-me a cidadania madalenense, cujo diploma recebi, recentemente, das mãos do seu presidente Nestor Lopes.

 

Revelo este fato para que fique registrado nos anais de nossa história.

 

 

Santa Maria Madalena, agosto de 2001.

 

 

ITAGILDO  FERREIRA

 

 

 

 

 

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XIII

 

A  Jorge Feijó

 

Foi justamente nas fontes a que venho recorrendo para embasar estes textos, que acabo de encontrar a resposta para uma das indagações formuladas no  final da primeira crônica desta série.  Os irmãos Aristeu e Francisco Portugal Neves, festejados professores, eram, realmente, netos do pioneiro Manoel Freixo Garcia ou, como ele preferiu chamar-se, Manoel Teixeira Portugal, patriarca da maior e mais importante família madalenense.  Creio eu.

 

Na velhice, são perdoáveis os cochilos e os equívocos.  Quando se vai aproximando da senilidade, aqueles que são dados à leitura costumam ler, reler e, lamentavelmente, tresler.  Foi, infelizmente, o que me aconteceu ao ler o seguinte trecho do historiador Geraldo Machado: ”Ao embarcar para sua pátria, Manoel já havia casado todos os filhos, exceto a caçula Jesuína, que se tornou esposa de Francisco José Gonçalves Neves Júnior.  Foram eles os pais do professor Francisco Portugal Neves.”

 

Para orientar-me na paciente redação destas crônicas sobre a história e estórias de nossa terra e nossa gente, tenho recorrido aos historiadores madalenenses, que são sempre citados, além do testemunho e subsídios de velhos amigos, como Lise Santos Ramos e Enir Guinâncio Helayel, amigas e veteranas de minha geração.

 

E‘ bom esclarecer que não há nenhuma novidade no que venho escrevendo, mais com o objetivo de estimular as sinapses nos neurônios de um cérebro já debilitado. Mas, também, não há nenhum despropósito em comentar fatos conhecidos e até sugerir que alguns poderiam ser gravados em estelas a serem colocadas nas praças da cidade, como, para exemplificar: – ” Criação do Curato em 1851; criação da Freguesia em 1855; criação do Município e Vila em 1861; instalação do Município em 1862 e elevação à Cidade em 1890.”

 

 

A‘ franciscana dedicação do meu cunhado Jorge Feijó, que vem, pacientemente, digitando estas crônicas, meu agradecimento.

 

 

Santa Maria Madalena, setembro de 2001

 

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XIV

 

A  Plínio Verbicário dos Santos

 

 

 

O ano de 1929, na minha longa caminhada pela vida, é o padrão de granito em que se acham gravados os nomes da turma de estudantes que prestou exames de admissão, na cidade de Macaé.

 

Diz Roberto Drummond, no seu romance ”O Cheiro de Deus”, que a lembrança tem olhos e enxerga.  Refere-se o autor à memória da personagem  Vó Inácia Micaéla, matriarca cega da família Drummond.

 

Mas, presumo eu, a lembrança em geral enxerga, não somente a dos cegos. Eis que recebo um telefonema do colega Rubens Torres, que reside em Curitiba, dizendo-me que a relação, extraída da revista ”Serrana”, está incompleta.  E me afirma que dessa turma de 1929, que era chefiada pelo professor Nomysio de Aquino, faziam parte, também, ele e Lodi, colega que trabalhava na farmácia  Azevedo, bem ali na esquina da praça Frouthé com a rua XV de Novembro, hoje rua Gwyer de Azevedo.

 

O que interessa agora, e aqui entro no assunto desta Crônica, é que foi nessa viagem que vim a conhecer, em Macaé, José Dantas dos Santos, que viria, mais tarde, incorporar-se à nossa gente, contribuindo para o desenvolvimento de nossa terra, com a criação dos bairros de Itaporanga e Nova Madalena.

 

Era ele, à época, simpático caixeiro-viajante, quando conheceu a senhorita Madalena Verbicário, amiga de minha mãe Alaíde Lobato Ferreira, e que acompanhava sua irmã mais nova, Eurídice, destaque da turma de 1929.

 

Esse providencial encontro trouxe-o a Santa Maria Madalena, onde se casou com a nossa saudosa conterrânea.

 

José Dantas, ainda saudável nonagenário, reside hoje na chácara que herdou dos sogros, Antônio e Marieta Verbicário.

 

Pelo que já realizou em nossa terra, acredito que o Poder Legislativo Municipal já lhe tenha conferido a cidadania madalenense.

 

 

Santa Maria Madalena, setembro de 2001

 

 

ITAGILDO  FERREIRA

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XV

 

A  Luiz  Paulo  Verbicário

 

 

Quem passa, hoje, pela calçada que separa a praça Coronel Braz da rua Barão de Santa Maria Madalena, se já viveu bem mais de meio século, deve recordar-se do frondoso bosque de mata virgem, que ali existia e que acabou sendo desbastado, em nome da moral e dos bons costumes, segundo o diz-que-diz da época. Mas o transeunte, hoje, seja velho ou novo, tem sua atenção voltada para um busto, que lembra um filho querido de nossa terra.

 

No seio da família Verbicário passei a minha infância, uma vez que o pequeno comércio de meu pai era próximo à chácara do senhor Antônio Verbicário e dona Marieta, sua esposa. Creio que o  prédio, em que também morávamos, era de sua propriedade. Maneco, Eurydice, Conceição, Naná foram meus companheiros e irmãos. Até hoje sinto o aroma e o sabor da comida que dona Marieta servia aos colonos e penetras.

 

Maneco foi o único filho do casal a fazer o curso superior. Suponho que ele tenha freqüentado a escola primária da professora Maria Madalena Tavares, mais conhecida como dona Pixota. Fez o curso secundário em Leopoldina, Minas Gerais, graças à influência do seu cunhado Délcio Vahia, velho amigo do meu pai Aristeu Ferreira.

 

Quando estudante na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, cheguei a visitá-lo no hospício da praia Vermelha, onde residia como estudante-interno.

 

Formado, teve oportunidade de começar a vida profissional em Campos, onde certamente teria sucesso financeiro em estabelecimento psiquiátrico de um colega, que era seu amigo e compadre. Preferiu, entretanto, retornar a penates, para clinicar em nossa terra, no seio de sua gente.

 

E foi assim que transformou o exercício profissional num apostolado franciscano, trocando a fortuna pelo prazer de servir ao povo que, agradecido, resolveu perpetuar sua memória em um busto em praça pública, ao pé do qual se acha uma estela em bronze, gravada com um emblema que só é dado aos justos.

 

 

Santa Maria Madalena, outubro de 2001

 

ITAGILDO  FERREIRA

 

 

 

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XVI

 

A  Stella Verbicário

 

 

Numa das muitas homenagens prestadas ao Dr. Maneco, o Capitão Augusto Feijó leu um comovente panegírico à família Verbicário, esclarecendo que, quando  chegou a Santa Maria Madalena, em 1894, aqui já encontrou um grupo de italianos, entre os quais se achavam os primos Teodoro Rímolo e Antônio Verbicário, que depois de trabalharem na construção da linha férrea, que os prósperos fazendeiros e comerciantes ricos da época traziam até Madalena, adquiriram ambos uma carroça, com a qual transportavam mercadorias da estação para o comércio e vice-versa. Mais tarde, substituíram a carroça por um carro de bois. E assim foram amealhando a fortuna, em sociedade, e que depois partilharam  amigavelmente, quando muita gente esperava uma demanda judicial.

 

Afirma o Capitão Feijó que foi testemunha do ingente e honesto trabalho desses varões. E conclui seu depoimento dizendo que quanto ao valor e às virtudes do homenageado nada precisava acrescentar, pois todos já o conheciam como amigo e médico humanitário.

 

Esse depoimento, que arrola, um por um, todos os filhos do casal Antônio e Marieta Verbicário, incluindo seus consortes, não faz referência à esposa do homenageado, omissão certamente involuntária, dada a conhecida amizade do depoente ao casal.

 

Mestiça como qualquer brasileiro, produto da miscigenação de três raças, a esposa do Dr. Maneco transformou-se, espiritualmente, numa italiana que poderia, como o marido e todos os cunhados, ter nascido na Calábria, ao sul, ou sob o sol de Veneto, ao norte da Itália, dada a sua dedicação de corpo e alma ao clã Verbicário.

 

Não é, portanto, sem motivo que todos os madalenenses a conhecem e a reverenciam , simplesmente, como Stella Verbicário, apesar de filha de tradicional família em nossa terra.

 

 

Santa Maria Madalena, outubro de 2001

 

 

ITAGILDO  FERREIRA

 

 

 

 

 

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XVII

 

A  Cláudio  Verbicário

 

 

Estávamos no portão de nossa casa – a conhecida Villa Fifia – em Santa Maria Madalena, eu e professor Márcio Torres, assistindo ao desfile da Escola de Samba Vermelho e Branco, que prestava singular homenagem ao Dr Manoel Verbicário, quando, repentinamente, fiz a seguinte observação:  o povo está transformando a memória de Maneco em mito, que acha Márcio? – ”Não pode deixar de ser uma personagem mítica quem devotou ao povo sua vida profissional, sem qualquer ambição de ordem financeira”, respondeu o amigo.  Enquanto conversávamos, o préstito carnavalesco distanciava-se, rua abaixo, com o povo cantando o refrão do samba-enredo: – ” no  lombo do animal, levava caridade, doutor Maneco é hoje a estrela da saudade.”

 

A comissão coordenadora dos trabalhos destinados à edificação do seu busto em praça pública já traçou o seu perfil numa plaqueta, mas um de seus membros, Enir Pinheiro Filho, teria lembrado, à época, que ficou faltando o inventário dos ”causos” que Maneco costumava contar nas reuniões de parentes e amigos. Sua vida bem que merecia uma biografia a ser elaborada pela viúva e pelos filhos.

 

Nossa terra, que é festejada como o terceiro clima do Brasil, faz-me recordar a ”Montanha Mágica”, de Thomas Mann, cujo tema é o tratamento de tuberculosos no sanatório de Davos, na Suíça. Como excelente sanatório, vem Santa Maria Madalena recebendo doentes de diversas origens, muitos dos quais, curados, mesmo no tempo em que eram escassos os recursos da Medicina, aqui permaneceram para o resto da vida.

 

Ironia do destino, ao tratar de um tísico que se havia hospedado em hotel da cidade, o Dr. Maneco, por um descuido, foi contaminado, mas conseguiu recuperar a saúde, graças aos modernos recursos médicos que, entretanto, não amenizaram os sofrimentos que o atenazaram no final da vida, vítima de outra doença.

 

Esperamos todos que ele não venha a ser esquecido pelas futuras gerações, que verão no seu busto a ”estrela da saudade”, brilhando sempre no céu de nossa terra.

 

 

Santa Maria Madalena, outubro de 2001

 

 

ITAGILDO  FERREIRA

 

 

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XVIII

 

À  memória  de  Joaquim  Laranjeira

 

 

Graças a uma alma penada, daquela legião de lêmures que atormenta meu espírito nos momentos de reminiscências, lembrei-me que o elenco da Crônica VI está incompleto, pois esteve, também, em Santa Maria Madalena, o governador Faria Lima – Almirante Floriano Peixoto Faria Lima – que fez a pavimentação da estrada Madalena-Macuco, depois da obra realizada pelo governador Raimundo Padilha, à frente da qual esteve nosso conterrâneo Dr. Cláudio Verbicário.

 

E, se não estou enganado, como me vem ultimamente acontecendo, os governadores Amaral Peixoto e Anthony Garotinho estiveram mais de uma vez em Madalena. Há uma ponte sobre o rio Grande, construída na administração Freire de Morais, que me parece ter sido inaugurada pelo primeiro. E, se não estou sonhando, acho que estive presente à inauguração.

 

Acrescento, ainda, aproveitando a oportunidade desta retificação, que antes de sua visita oficial, como presidente do Estado, durante a qual foi calorosamente recebido pelo Dr. Matos Pitombo, o campista Nilo Peçanha esteve em nossa terra, quando era ainda jovem político, com o objetivo de atrair as forças conservadoras para o Partido Republicano, que ele estava reorganizando.

 

Diz Joaquim Laranjeira, em sua ”A Pequena História”, que em 1896 o chefe conservador em Madalena era o Coronel José de Souza Lima que, estranhamente, não foi visitado pelo jovem republicano. Mas o mistério desfez-se, algum tempo depois, quando o Coronel Souza Lima recebeu de Nilo Peçanha uma carta que demonstra a habilidade política do missivista que, por essa e outras qualidades chegou à presidência do Estado e, mais tarde, à presidência da República.

 

E‘ uma longa carta, cujo texto se encontra em ”A Pequena História”.

 

Registre-se, finalmente, que, para regozijo dos madalenenses, a esposa do governador Garotinho, D. Rosinha, veio recentemente a Santa Maria Madalena  inaugurar a pavimentação da estrada para o litoral.

 

Esperamos, agora, que o governador volte a nossa terra, não como candidato à presidência, mas como candidato à reeleição, para a alegria de nossa gente.

 

 

Santa Maria Madalena, outubro de 2001

 

 

ITAGILDO  FERREIRA

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XIX

 

À  memória  de  Eduardo Feres

 

 

Uma excelente reportagem sobre a colônia árabe de Campos abriu-me o desejo de mergulhar no passado, para reviver meu relacionamento com a colônia libanesa de Santa Maria Madalena.

 

Nossos amigos árabes devem ter chegado à nossa terra, para incorporar-se à nossa gente, no final do século XIX e princípio do século XX.

 

Inicialmente eram considerados ”turcos”, possivelmente por trazerem os passaportes            com a chancela do império otomano, que dominava o Oriente-Médio. E

comerciavam como mascates até se estabelecerem na cidade e nas pequenas povoações do município, que então prosperava com a cultura do café. Ainda os conheci como turcos que, posteriormente, se transformaram em sírios e, finalmente, libaneses.

 

Por isso mesmo, o primeiro nome que me ocorre é o de Chico-turco, velho cedro do Líbano, como o chamava seu filho Foede. Ainda o vejo em sua cadeira de balanço, atrás do balcão do seu estabelecimento comercial, fiscalizando as atividades do seu filho Américo, que o sucedeu.

 

Outros nomes que me afloram à memória são Narli, Kalil e Pedro Mansur, José Bechara, Melhem e Salim Abdalla, João Simão, Constantino José, fora os filhos, todos meus companheiros de infância.

 

Os nomes das famílias libanesas aí continuam:  Mansur, Abdalla, Bechara, Feres, Helayel, Assaf, Ene, todos hábeis comerciantes como seus antepassados fenícios. Muitos são os filhos e netos desses libaneses que me deixaram doces recordações. Alguma delas, certamente, dolorosa, como foi o caso de Alfredinho Mansur, que morreu empalado quando brincávamos na praça Coronel Braz, em frente ao cine Ideal.

 

E ao voltar à tona desse mergulho ao passado, resta-me solicitar aos descendentes da nossa colônia libanesa indulgência pelas omissões do seu velho amigo.

 

 

Santa Maria Madalena, outubro de 2001

 

 

ITAGILDO  FERREIRA

 

 

 

 

NOSSA  TERRA  E  NOSSA  GENTE

 

XX

 

À  memória  de  Luiz  Simões  Jesus

 

O desembargador Luiz Alves Leite de Oliveira Bello, presidente da província do Rio de Janeiro, de setembro de 1861 a fevereiro de 1863, sancionou, em outubro de 1861, o ato cujo artigo primeiro tem a seguinte redação:

 

”Art. 1º  -  Fica elevada à categoria de vila, com a mesma denominação, a freguesia de Santa Maria Madalena, do termo de Cantagalo; e farão também parte do nosso município as freguesias de São Sebastião do Alto e São Francisco de Paula, desmembradas do mesmo termo.”

 

E’ evidente que essa sangria no município de Cantagalo justificou, plenamente, a oposição de seus representantes na Assembléia Provincial ao projeto patrocinado pelo deputado Lopo Diniz Cordeiro, sobrinho do Dr. Lopo de Albuquerque Diniz, marido da madalenense Maria Luísa Malta Ribeiro, filha do Barão do Castelo.

 

Uma curiosidade: – Santa Maria Madalena, quando era simples Curato, pertenceu à freguesia de São Francisco de Paula, que ela acabou incorporando ao seu território.

 

Recorde-se que a escritura de doação das terras da Santa foi lavrada em cartório da mencionada freguesia.

 

Mas vejamos o artigo segundo do ato que criou nosso município:

 

” Art. 2º – Esta vila será instalada, logo que os moradores do lugar mobiliarem a sua custa uma casa para as sessões da câmara municipal, do júri e audiências das autoridades; e terá dois tabeliães do judicial e notas.”

 

E, assim, com a aquisição da casa pelo Barão de Macabu, foi nosso município solenemente instalado em 08 de junho de 1862.

 

De vila Santa Maria Madalena passou a cidade em 28 de julho de 1890, por ato do governador do Estado do Rio de Janeiro, Francisco Portela.

 

E a comarca?  Foi criada em 1872, suprimida em 1904 e, finalmente, restabelecida em 1906.

 

Luiz Simões de Jesus, meu amigo de adolescência em Vitória, foi casado com uma madalenense, minha irmã, e pai de uma jovem poeta, que cantou nossa terra e nossa gente – Lena Jesus Ponte.

 

Santa Maria Madalena,  outubro de 2001

 

ITAGILDO  FERREIRA

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

XXI

 

A Antônio Bicalho Portugal

 

 

Graças à cortesia de Geraldo José Machado, cidadão que, pela sua formação, seu sucesso profissional, sua honorabilidade, possui créditos suficientes para ser premiado com o título de “Cidadão emérito de Santa Maria Madalena”, graças a esse ilustre conterrâneo, tenho em mãos cópias de dois extraordinários documentos sobre a vida do nosso patriarca Manoel Teixeira Portugal: 1) o registro do seu batismo e 2) o registro do seu casamento.

 

A certidão de batismo foi extraída dos assentos da paróquia de São Miguel do Freixo de Cima, no arquivo distrital do Porto, em Portugal e, a de casamento, dos assentos da paróquia de Sant’Ana de Japuíba, da Diocese de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, Brasil.

 

A primeira certifica que ele nasceu no dia 22 de agosto do ano de 1812 e, a segunda, que convolou núpcias em 1832. Deduz-se, ainda, da leitura desses documentos, que é de origem familiar o apelido Teixeira e não de putativo local de nascimento e que ele apenas se apropriou do nome de sua pátria, da qual estaria naturalmente saudoso, como emigrante. Era ele natural do lugar em que fora batizado e Teixeira era o apelido do seu pai e do avô.

 

Ao aportar no Rio de Janeiro, ainda adolescente, parece ter trabalhado no comércio de seus patrícios na antiga Rua Direita, hoje Primeiro de Março, rumando mais tarde em direção ao centro-norte fluminense, via Cachoeiras de Macacu, fazendo um estágio em Sant’Ana de Japuíba, onde se casou com Isabel Maria de Jesus, antes de embrenhar-se pelo sertão até chegar à nossa terra.

 

Originário da lavoura, nela veio trabalhar, tornando-se afinal fazendeiro de café, na qual fez razoável fortuna.

 

Ao ficar viúvo, regressou a Portugal, deixando no Brasil sua numerosa prole, enriquecendo a comunidade que ele ajudou a formar. Um de seus descendentes, meu colega de infância na rua Maurity, hoje Adolfo Rodrigues, recebe aqui minha homenagem, que estendo à sua linhagem.

 

 

Santa Maria Madalena, janeiro de 2002

 

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

 

 

 

 

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

XXII

 

Professor Mariano de Oliveira

 

Homenagem a Dercy Gonçalves

 

 

Ele teria chegado a Santa Maria Madalena no final do século dezenove, “coberto de esperança, como peregrino feliz na encantadora vila”. Antes, portanto, de 1890, quando a vila foi elevada a cidade. Chegou como professor público, aqui permanecendo por mais de trinta anos. Incorporou-se à família madalenense, casando com Cora Rangel. Instruiu várias gerações, até ser removido para Petrópolis, em 1924. Em Santa Maria Madalena viveu a melhor parte da sua vida. “Esse romeiro, em terra hospitaleira, aqui passou a mocidade inteira.”

 

Era natural que sentisse, algumas vezes, saudade de sua terra natal – Saquarema – onde o mar, “ora manso e feroz, ora rude e tranqüilo, outrora o embalava”.

 

Graças ao trabalho de garimpagem de Jomar Dias, da “Casa da Cultura Francisco Portugal Neves”, a memória do professor Cucula vai sendo resgatada, para conhecimento das novas gerações. Vale registrar que a história político-social de Santa Maria Madalena passa, atualmente, pela Casa da Cultura.

 

“Poeta, jornalista, homem de letras, Mariano de Oliveira era, no meio literário de Madalena, a estrela de primeira grandeza, em cuja volta gravitaram, como satélites, todos os intelectuais da terra”, registrou o jornal “A Semana”, em sua despedida.

 

Seu poema “Recordações de Madalena” é um hino de louvor à nossa terra e à nossa gente. Depois dele, nossa cidade passou a ser a Princesa da Serra, a Bela Adormecida do Bosque.

 

Infelizmente, não o alcancei, apesar de minha idade bíblica. Mas Dercy Gonçalves, que é um pouco mais velha do que eu, e que agora chega aos noventa e cinco, talvez se lembre do professor Cucula. Daí a homenagem que lhe presto nesta crônica, lembrando-me da Dolores Costa que conheci nos anos vinte, no esplendor de sua adolescência.

 

Santa Maria Madalena, maio de 2002

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

 

 

 

 

 

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

XXIII

 

Nossa Rua Direita

 

À minha consorte Nilza Santos Ferreira

 

 

A Rua Direita, que ainda permanece na minha memória, denomina-se, hoje, Rua Barão de Santa Maria Madalena, como justa homenagem ao maior benfeitor da nossa terra, José Joaquim da Silva Freire, próspero fazendeiro. Essa principal via urbana, ligando os pontos extremos da cidade, na direção norte-sul, da esquina da antiga Rua Maurity, hoje Adolfo Rodrigues, à velha Rua dos Amores, antes conhecida como Rua do Neiva, hoje Coronel Portugal, sempre foi o centro político, econômico e social da comunidade.

 

Nela me vejo, pela primeira vez, há oitenta e poucos anos, quando cheguei a Santa Maria Madalena, depois de longa e cansativa viagem pela estrada de ferro Leopoldina. Nessa rua situavam-se as melhores hospedarias da cidade: Park Hotel, Hotel Braz, Hotel Avenida, Hotel Fontes… Havia em nossa Rua Direita dois cinemas, que funcionavam regularmente: o Central, onde hoje se acha o Clube Montanhês e o Ideal, que ficava em frente à Praça Coronel Braz.

 

Na Rua Direita existia o luxuoso salão de cabeleireiros da família Cascabulho. Nela funcionavam a Coletoria Federal, sob a responsabilidade de Antenor Lopes e a Coletoria Estadual, do coletor Democracino Rodrigues, em que era escrivão Joaquim Laranjeira. Na Rua Direita concluí o curso primário, no “Grupo Escolar Barão de Santa Maria Madalena”, sob a direção da professora Ruth Pitombo. Na cabeça dessa rua, meu pai tinha comércio. Nessa rua prosperava a colônia libanesa: os Bechara, Mansur, Helayel, Aydar, Abdalla e muitos outros. Recordo-me das padarias do Donato, do Ribeiro e de D.Maria, mãe de João Assaf. E também das farmácias dos senhores Colombiano Santos e Raul Vahia de Abreu.

 

Na Rua Direita, de saudosa memória, já adolescente, vi brincando no portão da casa de seus pais a garotinha que, bem mais tarde, seria minha consorte, numa convivência que há sessenta anos vem perdurando.

 

Por que Rua Direita, se todas as ruas da cidade são direitas? Há muitas cidades com esse nome. Haja vista a famosa Rua Direita do centro do Rio de Janeiro, hoje Rua Primeiro de Março, em homenagem ao término da Guerra do Paraguai, em 1º de março de 1870. Na Rua Direita de Damasco, Saulo de Tarso recuperou a visão na casa de Ananias. É, portanto, uma tradição católica. Daí a nossa saudosa Rua Direita.

 

Santa Maria Madalena, junho de 2002

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

XXIV

 

Origens

 

Aos proprietários da Fazenda Botafogo

 

 

No longo percurso da trilha que ligava o Norte fluminense, atravessando a região serrana, ao porto de Macaé, existia, a meio caminho, um vasto caravançarai, que ia do local em que é hoje o Largo do Machado ao Arranchadouro, à margem do Ribeirão Santíssimo, onde pousavam as caravanas que conduziam os produtos agrícolas para o litoral e, de volta, produtos manufaturados para o próspero interior, enriquecido com a produção do café.

 

Esse pouso para o arrefecimento da longa caminhada, já com as primeiras vendas e estalagens, alguns fogos (habitações), formando um rústico povoado, não teria sido o Arraial do Santíssimo, origem do Curato, da Vila e, finalmente, da cidade de Santa Maria Madalena?

 

As raízes da cidade estão nas cabeceiras do Santíssimo, entre o que hoje chamam Largo do Machado e Arranchadouro, mais precisamente neste último logradouro. A transferência para o vale da tabatinga, sob a vigilância do cabeço de Itaporanga, onde hoje se encontra, deve ter ocorrido após a urbanização da gleba que o padre Frouthé doara a Santa de sua devoção.

 

Muitos aventureiros, no roteiro das caravanas, adentraram o sertão norte-fluminense à procura de trabalho na lavoura cafeeira, que prosperava em toda a região serrana. Entre esses bravos, estaria o português Manoel Teixeira Portugal, que acabou se estabelecendo em aprazível propriedade rural chamada Bom Retiro, hoje Fazenda Botafogo. Os morros que circundam a sede da propriedade, em forma de anfiteatro, deram ao patriarca da família Portugal a fortuna com que retornou à pátria, já como “brasileiro”, deixando aqui sua vergôntea de 16 filhos.

 

Se a nossa cidade nasceu, realmente, no Arranchadouro, à margem do Santíssimo e se nossa primeira propriedade rural se chamou Bom Retiro, hoje Botafogo, é mera divagação do cronista, mas o certo é que o português Manoel Teixeira Portugal, um dos primeiros habitantes de nossa terra, deixou-lhe uma grande família.

 

Santa Maria Madalena, junho de 2002

 

ITAGILDO  FERREIRA

 

 

 

 

 

 

 

 

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

XXV

 

Chuvas de março

 

A Jomar Dias

 

 

No mês de março do ano de 1873, a Vila de Santa Maria Madalena sofreu violenta tempestade. Coube a Jomar Dias, em sua coluna “Cidade em Revista”, no jornal de 15 de junho corrente, a reprodução da notícia garimpada em “A Semana”, do ano de 1946:

 

“Em março de 1873 caiu sobre Madalena tempestade de tal violência que, não só arrasou a Vila, como deixou sinais de sua passagem perpetuada pelos vestígios de uma enorme tromba d’água.”

 

Um dos sinais de sua passagem foi a denominação do local em que se formou enorme bacia d’água, em área próxima à chácara que hoje pertence a José Dantas dos Santos. Trata-se da “Lagoa”. Ao tempo em que moravam no sítio Délcio Vahia e sua esposa Rosinha Verbicário, eu costumava pescar piabas e acarás nessa lagoa, quase toda encoberta de  tábuas. Em sua proximidade construiu-se um campo de futebol, em que disputavam partidas, aos domingos, os times Azul e Encarnado, nos quais atuavam, com destaque, João Caputo, Wilmar Cascabulho, Hudson Fontes, Álvaro Braz, Cianinho Americano e outros ases da época. Nesse campo, a garotada do meu tempo era treinada por Silviano Feijó.

 

Com a transferência dos jogos para o Largo do Machado desapareceu o campo da Lagoa. Já não me encontrava em Santa Maria Madalena, quando se deu a nova transferência das disputas para a chácara do Laureano, onde hoje fica o bairro de Itaporanga.

 

Recordar é viver, mas é também sofrer. “No decorrer da vida alguma coisa fica, que o tempo não apaga e que a saudade explica”, diz Mariano de Oliveira em seu hino a Santa Maria Madalena, onde passou a mocidade como o professor Cucula.

 

Finalizo esta crônica, agradecendo a Jomar Dias, da “Casa da Cultura Francisco Portugal Neves”, por provocar-me, com as “chuvas de março”, estas lembranças da minha puerícia.

 

Santa Maria Madalena, junho de 2002

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

 

 

 

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

XXVI

 

A Geraldo Machado

 

 

Nasceu nossa cidade à margem do Ribeirão Santíssimo, precisamente no trecho entre os atuais Largo do Machado e Arranchadouro. Nesse local, formou-se um povoado, que se denominou Arraial do Santíssimo, no qual se foram fixando as primeiras migrações, trazidas pelas caravanas que faziam o roteiro de Cantagalo ao litoral.

 

Com o Alvará expedido, em 1808, pelo Príncipe-Regente, que permitiu a estrangeiros a propriedade de bens imóveis, contratou em Freiburg, na Suíça, o primeiro grupo de imigrantes destinado à fazenda do Morro Queimado, na região serrana fluminense. Em 1818, começou a nascer, nesse local, a atual cidade de Nova Friburgo. Nessa leva de imigrantes, chegou ao Brasil o jovem clérigo Francisco Xavier Frouthé, que foi exercer o sacerdócio em São Pedro de Cantagalo, onde permaneceu até a velhice. Ao aposentar-se, já sexagenário, adquiriu uma propriedade rural na região em que se acha nossa cidade, cuja denominação se deve à sua devoção.

 

Nessa propriedade, acompanhado de uma velha caseira e de alguns escravos, cuidava de pequena lavoura. Seu sítio localizava-se nas proximidades das terras que o capitão do mato, preador de escravos fugidos, José Vicente, adquirira e das quais fora tomar posse. Na casa do padre em que pediu posada, encantou-se com a arma “de fabricação suíça” e acabou propondo ao velho cura a permuta da arma pelas terras. O padre gostou da área, bem apropriada para a edificação de uma capela e a formação de um povoado, aceitou a oferta e, em 1850, fez a doação da mesma a Santa Maria Madalena, conforme escritura lavrada em cartório da freguesia de São Francisco de Pádua. A partir daí, ele mesmo urbanizou a área à margem do córrego São Domingos, atraindo os moradores do primitivo Arraial e acabou construindo a desejada capela, tendo antes rezado a primeira missa no campo em que se acha, hoje, a Praça Frouthé.

 

A Câmara Municipal, instalada em 1862, melhorou a urbanização do povoado, agora transformado em vila, principalmente com a construção da rede de abastecimento de água. Foi assim que, do novo Arraial do Santíssimo, vieram o Curato, a Freguesia, a Vila e, finalmente, a cidade de Santa Maria Madalena, cujos pilares se devem ao padre Francisco Xavier Frouthé.

 

As dúvidas suscitadas por Geraldo Machado sobre a nacionalidade do padre Frouthé estimularam-me a escrever esta estória, que bem poderia ser o embrião de nossa história naquele período envolto em denso nevoeiro.

 

Santa Maria Madalena, julho de 2002

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

XXVII

 

Raízes

 

À memória de Ruy Barbosa Lessa

 

 

Quem teria tido a primazia de visualizar Itaporanga do vale em que se encontra, hoje, a sede do nosso município: – o cura Francisco Xavier Frouthé, o capitão do mato, preador de escravos, José Vicente ou o português Manoel Teixeira Portugal, plantador de cafezais na Fazenda Botafogo?  Como Zé Vicente adquiriu as terras transferidas ao padre em troca de uma espingarda? Para que fim possuía o padre, já velho e aposentado, uma espingarda? Não seria, com mais propriedade, um arcabuz?

 

Diz Joaquim Laranjeira que, quando José Vicente chegou aqui já se encontrava o velho cura, morando em rústica propriedade. Que o mateiro, em visita ao padre, viu a espingarda na parede e propôs-lhe o negócio. Jeane Caputo Marques, em seu opúsculo “Madalena, meu amor”, diz que Zé Vicente aqui residia quando foi visitado pelo padre, que trazia uma espingarda. Daí o negócio, a permuta pela gleba.

 

Ambos devem ter razão, pois a lenda comporta as duas versões. É de supor-se que Zé Vicente tenha ganho a data de terras devolutas como pagamento pelos serviços prestados aos poderosos fazendeiros dos sertões do Leste. O bacamarte deve ter sido presente, de algum devoto, ao padre, que resolvera exilar-se no sertão. O padre e o mateiro devem ter palmilhado o mesmo caminho das caravanas, que vinham de Cantagalo com destino ao litoral, arranchando, para descanso, no local que hoje se chama Arranchadouro; isso, naturalmente, antes de 1850, data em que foi lavrada a escritura de doação das terras de Santa Maria Madalena. Mais precisamente, entre 1835 e 1850.

 

O padre rezou missa campal na praça que leva seu nome. Que foi feito do mateiro? E quanto a Manoel Teixeira Portugal? Não foi ele o primeiro habitante de nossa terra, como dizem Joaquim Laranjeira e Geraldo Machado?

 

Um ferrabrás, presumidamente mestiço, um velho cura francês e um lavrador português constituem, portanto, as raízes de nossa história e, também, de nossa estória.

 

Dedico esta crônica à memória de Ruy Barbosa Lessa, brilhante colega de escola e cujo destino, lamentavelmente, ignoro.

 

Santa Maria Madalena, julho de 2002

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

 

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

 

XXVIII

 

 

A Bela Adormecida

 

 

À memória do professor Mariano de Oliveira

 

 

 

A população de Santa Maria Madalena, ao que me parece, ainda não se deu conta da metamorfose por que vem passando sua cidade com a administração Arthur Lima Garcia. Os madalenenses que não acompanham, no dia-a-dia, essa transformação e que, periodicamente, visitam sua terra, surpreendem-se com o despertar da “Bela Adormecida”, na imagem poética de Mariano de Oliveira em suas recordações.

 

A administração Garcia vem implementando com competência e transparência a infra-estrutura indispensável ao turismo, que resgatará a prosperidade que o município conheceu durante o ciclo do café. A Bela Adormecida está acordando para receber as levas de turistas que darão nova vida à cidade.

 

Graças ao embelezamento da cidade, Santa Maria Madalena, atualmente, tem sido uma festa para idosos, jovens e crianças. Mas, alerta o cronista, é preciso não descuidar do desenvolvimento cultural, auspiciosamente inaugurado em administração anterior pela “Casa da Cultura Francisco Portugal Neves”, hoje sob a chefia de Maria Luiza Feijó Pinheiro. Suplica-se a atenção do prefeito para o fortalecimento dessa entidade, incorporando-se-lhe todo o acervo histórico que ainda resta nas propriedades rurais, como é o caso da Fazenda Barra de Santana, que ainda conserva um tesouro cultural a ser preservado.

 

Não há na administração pública dificuldades que não possam ser removidas, quando se tem em vista o interesse coletivo. Que o espírito do professor Mariano de Oliveira, à memória de quem se dedica esta crônica, venha iluminar os caminhos do prefeito na busca de uma solução para o caso.

 

A operosa administração municipal tem pela frente um novo desafio que, certamente, será objeto de exame e rápida solução.

 

 

Santa Maria Madalena, julho de 2002

 

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

 

NOSSA TERRA E NOSSA GENTE

 

 

XXIX

 

 

NECROLÓGIO

 

 

O velho cronista Zezé Pontes, procurando homenagear os imigrantes italianos que, durante o ciclo do café, tanto contribuíram para o progresso do nosso município, citou, como paradigma, a família Verbicário. Sua crônica, intitulada “Saga dos Verbicários”, foi publicada no periódico Folha de Madalena, de 22 de fevereiro de 1993. Disse ele que “da descendência do patriarca Antônio Verbicário há que destacar o filho Manoel Verbicário que, como médico, foi o São Francisco de Assis da comunidade madalenense”.

 

Agora, dez anos mais tarde, ao concordar em gênero, número e grau com os conceitos emitidos pelo cronista de nossa terra e nossa gente, cabe-me tributar homenagem à memória de mais um descendente do patriarca, o seu neto LUIZ PAULO VERBICÁRIO, que brilhou como estrela de primeira grandeza no magistério superior, chegando, consagradamente, ao cargo de diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, depois de exercer a direção do Hospital Universitário, onde assinalou sua passagem com a marca de excelente administrador. Como professor, deixou discípulos que perpetuarão sua memória.

 

Que Deus me perdoe por achar a sua morte um desperdício. Perdeu a família Verbicário um filho ilustre. Perdeu a sociedade um cidadão de raras qualidades. Perdeu o magistério superior uma avis-rara. Perdemos todos nós, amigos e familiares, uma suave convivência. Mas Deus sabe o que faz do destino de todos os viventes. Tudo passa, tudo acaba neste vale de lágrimas.

 

Conheci na puerícia o patriarca da família e sua consorte Marieta Verbicário. Convivi com seus filhos e acompanho a vida de seus netos. Dou meu testemunho do inexcedível valor da personagem cuja memória estou homenageando neste necrológio.

 

Antes de perder a consciência, manifestou sua última vontade: queria ser sepultado em sua, nossa terra, para ficar com sua, nossa gente, que repousa em paz, no campo santo situado na encosta da cidade.

 

 

Santa Maria Madalena, fevereiro de 2003

 

 

ITAGILDO FERREIRA

 

 

 

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